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A dieta dos gêmeos


Você provavelmente já deve ter ouvido falar no documentário da Netflix sobre a dieta dos gêmeos. Para quem não sabe, o documentário é sobre um estudo conduzido com 21 pares de gêmeos idênticos (42 participantes), que teve como objetivo observar os impactos de uma dieta vegana em diversos aspectos de saúde. 


Esse estudo é fascinante justamente por recrutar gêmeos, possibilitando a análise das variáveis independente de fatores genéticos (já que os participantes eram geneticamente idênticos). 


O documentário fez muito sucesso, mudando o pensamento de muitas pessoas, mas os resultados mais fascinantes ainda estavam por vir! Recentemente, foi publicada no jornal BMC Medicine a segunda parte desse estudo incrível, onde foram apresentados os impactos da dieta vegana na idade biológica dos participantes, e isso que nós vamos discutir nesse texto!


Como foi o estudo?


O estudo em questão foi liderado pelo Dr. Christopher Gardner, um dos maiores pesquisadores na área de nutrição da atualidade. 44 participantes foram recrutados, dos quais 42 concluíram o estudo. Eles foram acompanhados por 8 semanas, onde houve um controle e acompanhamento da dieta (1,2).


Os participantes foram orientados a seguir uma dieta tradicional (que incluía o consumo de carne e outros alimentos de origem animal) ou uma dieta vegana durante o período do estudo. Nas primeiras 4 semanas, esses indivíduos consumiam somente as refeições fornecidas pelos próprios pesquisadores, e nas 4 semanas seguintes seguiram as dietas por conta própria (mantendo a orientação prévia). 


Essa conduta é característica dos estudos do Dr. Gardner, onde a intenção é avaliar a dieta em cenários reais, sem um controle sistemático, possibilitando, justamente, uma avaliação que se assemelha com a realidade (por isso, nas 4 semanas finas os participantes seguiram a dieta sozinhos).


Ao longo do estudo, eles coletaram uma série de dados na tentativa de identificar as diferenças entre os 2 padrões alimentares em grupos geneticamente idênticos. Vamos aos resultados?


O que o estudo observou?


O estudo foi separado em duas partes, a primeira publicada no final de 2023 (coincidentemente, na data do lançamento do documentário, e não, isso não foi intencional), apresentou os resultados de exames bioquímicos e da composição corporal dos participantes (1).


Os resultados do primeiro estudo já foram fascinantes, eles observaram que somente os veganos tiveram uma redução significativa de peso, representada por uma perda considerável de gordura corporal, além de reduções no colesterol LDL, melhoras na sensibilidade à insulina, e reduções no TMAO (um marcador inflamatório).


Os resultados vão de acordo com pesquisas prévias que também observam melhoras na composição corporal em veganos (3), assim como melhoras nos marcadores descritos: LDL (4), sensibilidade à insulina (5) e TMAO (6). Isso reforça que esse padrão alimentar, de fato, parece ser uma estratégia eficaz na perda de peso, além de prevenir doenças cardiovasculares, diabetes e reduzir a inflamação.


Esses resultados são incríveis porque o estudo foi conduzido com gêmeos idênticos, assim podemos atribuir os achados à dieta e não a fatores genéticos! E como se não bastasse, em julho de 2024 foi publicada a segunda parte do estudo, onde foi observada uma redução na idade biológica somente nos veganos!


Para fazer tal avaliação, os pesquisadores aferiram o tamanho dos telômeros, estruturas que predizem a idade biológica de um indivíduo, mas também fizeram uma série de avaliações epigenéticas derivadas da metilação do DNA. Esse tipo de avaliação estima o número de divisões celulares, avalia a atividade imune e a expressão de proteínas ao nível celular, possibilitando uma estimativa precisa da idade biológica (2). Vamos discutir em mais detalhes?


Veganos envelhecem menos?


O que eles observaram, após avaliar 11 órgãos e sistemas, foi que veganos tiveram reduções nas métricas de idade biológica para o coração, fígado, sistema imune, sistema endócrino e no metabolismo como um todo. Essas reduções não foram observadas no grupo de onívoros (indivíduos que consumiam carne), não tendo melhoras em nenhum dos 11 critérios avaliados (2).


Eles também observaram uma redução no tamanho dos telômeros, somente nos veganos! Para quem não sabe, telômero é uma estrutura que compõe o nosso DNA, protegendo o material genético de danos causados pelo estresse oxidativo (7).


Os telômeros se encurtam no processo de replicação celular, ao ponto de deixar o material genético exposto a possíveis danos, e é por isso que essa estrutura é tão relevante no envelhecimento. Alguns anos atrás, eu escrevi um texto sobre esse assunto, recentemente eu revisei esse texto e você pode conferir clicando aqui!


O que podemos concluir desse estudo?


Avaliar os impactos de uma dieta na idade biológica de humanos não é uma tarefa fácil, na prática, são necessários muitos e muitos participantes, acompanhados ao longo de toda a vida, para obter conclusões definitivas. 


Como é impossível conduzir tal estudo, a melhor alternativa é uma pesquisa como essa, discutida no texto, onde conseguimos estimar a idade biológica por fatores epigenéticos e intracelulares. No caso específico desse estudo, os resultados são muito pertinentes por serem conduzidos com gêmeos idênticos (afinal, a avaliação utilizada envolve, justamente, fatores genéticos).


Nesse estudo, os pesquisadores observaram alterações na expressão de 980 genes a partir da intervenção dietética! Isso demonstra como as nossas escolhas alimentares têm impactos profundos em diversos aspectos metabólicos (2).


Notavelmente, o grupo de veganos apresentou reduções significativas na expressão de genes associados ao processo de envelhecimento, levando ao entendimento de que esse padrão alimentar pode aumentar a nossa expectativa de vida! Quer conhecer um composto que pode aumentar a sua expectativa de vida? Clique aqui!


Estudos prévios demonstram que dietas à base de vegetais, como a dieta mediterrânea e a dieta DASH, são capazes de retardar o envelhecimento, influenciando a atividade de células senescentes, a ativação da via mTOR e a idade epigenética (8,9). Particularmente, a dieta mediterrânea parece exercer impactos na idade biológica e no risco de fragilidade (10). Estudos prévios também observam que dietas à base de vegetais são associadas com preservação no tamanho dos telômeros (11).


Estudos com centenários (pessoas que vivem mais de 100 anos) observam que esses indivíduos têm uma dieta predominantemente à base de vegetais (12,13). O melhor estudo nesse tema, publicado em 2024, revisou toda a literatura desde os anos 2000, somando os resultados de 34 publicações. Eles observaram que centenários têm uma dieta rica em frutas, vegetais e grãos integrais, que limita, ou até exclui, alimentos de origem animal, principalmente a carne vermelha (13).


Como se não bastasse, nós temos revisões consistentes observando que dietas vegetarianas e veganas reduzem o risco para praticamente todas as doenças crônicas conhecidas (14,15). Assim, podemos concluir com base nesse estudo (e em outros estudos prévios) que veganos, de fato, parecem viver mais tempo!



 

Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 1726


Referências:


1.Landry, M. J., Ward, C. P., Cunanan, K. M., Durand, L. R., Perelman, D., Robinson, J. L., ... & Gardner, C. D. (2023). Cardiometabolic effects of omnivorous vs vegan diets in identical twins: a randomized clinical trial. JAMA Network Open, 6(11), e2344457-e2344457.


2.Dwaraka, V. B., Aronica, L., Carreras-Gallo, N., Robinson, J. L., Hennings, T., Carter, M. M., ... & Gardner, C. D. (2024). Unveiling the epigenetic impact of vegan vs. omnivorous diets on aging: insights from the Twins Nutrition Study (TwiNS). BMC medicine, 22(1), 301.


3.Barnard, N. D., Levin, S. M., & Yokoyama, Y. (2015). A systematic review and meta-analysis of changes in body weight in clinical trials of vegetarian diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 115(6), 954-969.


4.Barnard, N. D., Alwarith, J., Rembert, E., Brandon, L., Nguyen, M., Goergen, A., ... & Kahleova, H. (2022). A Mediterranean diet and low-fat vegan diet to improve body weight and cardiometabolic risk factors: a randomized, cross-over trial. Journal of the American Nutrition Association, 41(2), 127-139.


5.Kahleova, H., Petersen, K. F., Shulman, G. I., Alwarith, J., Rembert, E., Tura, A., ... & Barnard, N. D. (2020). Effect of a low-fat vegan diet on body weight, insulin sensitivity, postprandial metabolism, and intramyocellular and hepatocellular lipid levels in overweight adults: a randomized clinical trial. JAMA network open, 3(11), e2025454-e2025454.


6.Lombardo, M., Aulisa, G., Marcon, D., & Rizzo, G. (2022). The influence of animal-or plant-based diets on blood and urine trimethylamine-N-oxide (TMAO) levels in humans. Current Nutrition Reports, 11(1), 56-68.


7.Zhu, Y., Liu, X., Ding, X., Wang, F., & Geng, X. (2019). Telomere and its role in the aging pathways: telomere shortening, cell senescence and mitochondria dysfunction. Biogerontology, 20, 1-16.


8.Gensous, N., Garagnani, P., Santoro, A., Giuliani, C., Ostan, R., Fabbri, C., ... & Bacalini, M. G. (2020). One-year Mediterranean diet promotes epigenetic rejuvenation with country-and sex-specific effects: a pilot study from the NU-AGE project. Geroscience, 42, 687-701.


9.Galkin, F., Kovalchuk, O., Koldasbayeva, D., Zhavoronkov, A., & Bischof, E. (2023). Stress, diet, exercise: Common environmental factors and their impact on epigenetic age. Ageing Research Reviews, 88, 101956.


10.Kim, K., Zheng, Y., Joyce, B. T., Jiang, H., Greenland, P., Jacobs Jr, D. R., ... & Hou, L. (2022). Relative contributions of six lifestyle-and health-related exposures to epigenetic aging: the Coronary Artery Risk Development in Young Adults (CARDIA) Study. Clinical epigenetics, 14(1), 85.


11. Crous-Bou, M., Molinuevo, J. L., & Sala-Vila, A. Plant-Rich Dietary Patterns, Plant Foods and Nutrients, and Telomere Length. Adv Nutr. 2019; 10 (Suppl_4): S296–S303.


12.Vasto, S., Rizzo, C., & Caruso, C. (2012). Centenarians and diet: what they eat in the Western part of Sicily. Immunity & Ageing, 9, 1-6.


13.sDai, Z., Lee, S. Y., Sharma, S., Ullah, S., Tan, E. C., Brodaty, H., ... & Sachdev, P. S. (2024). A systematic review of diet and medication use among centenarians and near-centenarians worldwide. GeroScience, 1-15.


14.Fong, B. Y., Chiu, W. K., Chan, W. F., & Lam, T. Y. (2021). A review study of a green diet and healthy ageing. International journal of environmental research and public health, 18(15), 8024.


15.Key, T. J., Papier, K., & Tong, T. Y. (2022). Plant-based diets and long-term health: findings from the EPIC-Oxford study. Proceedings of the Nutrition Society, 81(2), 190-198.

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