top of page

Se você é vegetariano, leia esse texto sobre o ferro!

Atualizado: 30 de mai. de 2023


Uma das preocupações mais comuns para quem adota uma alimentação à base de vegetais é a suficiência de ferro, afinal já bem propagado o mito de que vegetarianos sofrem com deficiência desse mineral.


É verdade que o ferro de origem vegetal tem uma absorção limitada quando comparado com o ferro encontrado em alimentos de origem animal, mas isso não significa que vegetarianos estão fardados a sofrerem com anemia!


Nesse texto eu irei esclarecer alguns mitos sobre o ferro, mostrando que não há nenhuma razão para se preocupar com esse mineral, na verdade, reduções nos níveis de ferro parecem explicar alguns dos benefícios para quem adere uma alimentação vegetariana!


Por que o ferro é essencial?


O ferro é importante no transporte de oxigênio, no metabolismo energético, na síntese de DNA e na respiração celular. É um mineral que atua em diversas reações enzimáticas, sendo essencial para o funcionamento normal do metabolismo humano.

Qual é o critério para diagnosticar deficiência de ferro?


A ferritina é considerado o marcador mais sensível e específico para diagnosticar a deficiência de ferro. Em adultos, valores abaixo de 30 ng/mL indicam baixos níveis de ferro. A deficiência é diagnosticada quando a ferritina se apresenta abaixo de 15 ng/mL. Já para atletas, a recomendação é uma manutenção de valores na faixa de 50 ng/mL.

O que causa deficiência de ferro?


A deficiência de ferro pode ser causada por múltiplas condições além do vegetarianismo, incluindo doenças intestinais, perda de sangue, gestação, câncer de esôfago, estômago e cólon. Crianças e mulheres são grupos de risco.


Vegetarianos são deficientes em ferro?

Diversos estudos compararam os níveis de ferro em vegetarianos e onívoros, alguns não observam nenhuma diferença significativa, enquanto outros observam reduções na ferritina de vegetarianos, mas vale notar que nenhum estudo reporta uma maior prevalência de anemia!


Uma meta-análise (1), que incluiu 24 ensaios clínicos randomizados, conclui que vegetarianos apresentam baixos níveis plasmáticos de ferro, mas não têm nenhum risco de anemia.


Uma revisão sistemática (2) que incluiu mais de 141 publicações, encontrou que a ingesta de ferro foi superior em vegetarianos (especialmente veganos que consomem quase o dobro de ferro que onívoros). Quanto aos valores plasmáticos do mineral, onívoros, de fato, apresentaram elevações na ferritina quando comparados com vegetarianos e veganos (55.5 ng/mL, 33.8 ng/mL e 31.3 ng/mL, respetivamente), mas nenhum grupo apresentou quadros de deficiência do mineral (ferritina < 15 ng/mL).

O mito de que vegetarianos sofrem com deficiência de ferro é baseado em apenas um fato: o ferro de origem vegetal tem uma biodisponibilidade inferior ao ferro de origem animal.


Afirmar que vegetarianos, necessariamente, sofrem com deficiência desse mineral é completamente absurdo, visto que existem inúmeras fontes vegetais de ferro. É verdade que a biodisponibilidade do ferro é mais importante que a sua ingesta absoluta, mas esse problema pode ser corrigido, tranquilamente, com algumas estratégias nutricionais simples.


Como melhorar a absorção de ferro?


A vitamina C melhora de forma considerável a absorção do ferro. Incluir alimentos ricos nessa vitamina (que deveriam estar na dieta de qualquer forma), é uma estratégia eficaz para corrigir a menor biodisponibilidade de ferro em dietas vegetarianas.


Outra solução é limitar o consumo de anti-nutrientes que reduzem a absorção de ferro. Fitatos, taninos e oxalato, são exemplos de compostos que influenciam a absorção desse mineral.


Os fitatos são elementos naturalmente presentes em leguminosas e grãos, eles atuam como quelantes de ferro, reduzindo consideravelmente a sua absorção. A solução é a técnica do remolho, que consiste em deixar o alimento de molho por cerca de 24h antes de cozinhar. Esse procedimento reduz as concentrações de fitatos, melhorando a biodisponibilidade do ferro encontrado em alimentos como feijão, grão-de-bico e lentilhas.


O oxalato reduz a biodisponibilidade do ferro; por isso, é importante evitar o excesso de vegetais que são especialmente ricos nesse composto, como o espinafre e a beterraba.


Os taninos também reduzem de forma importante a absorção de ferro, por isso devemos evitar consumir chá, café e vinho, em excesso, já que essas bebidas são especialmente ricas em taninos.


Mas não se preocupe tanto com os anti-nutrientes, afinal fitatos e taninos também são benéficos! Fitatos exercem efeitos antioxidantes e parecem ter atividade anticancerígena, justamente por atuarem como quelantes de ferro. Alimentos ricos em taninos são conhecidos por reduzirem o risco para diversos tipos de câncer e doenças cardiovasculares.


Ferro no esporte


Atletas lidam constantemente com perdas de ferro, devido a diversas condições: suor, hematuria, sangramento gastrointestinal, inflamação e hemólise. Uma alta prevalência de anemia induzida por exercício é observada em atletas de elite (3).


Por essa razão, atletas devem ter uma atenção especial com o ferro, especialmente seguindo uma dieta vegetariana. Em alguns casos, a suplementação pode ser necessário, visto a constante perda do mineral induzida pelo exercício.


Quando eu devo suplementar ferro?


A suplementação de ferro não é recomendada para indivíduos que apresentam níveis normais de ferritina (acima de 30 ug/dL). Vale destacar que o ferro é um metal pesado e o seu excesso pode ser deletério, por isso, busque um profissional antes de suplementar esse nutriente por conta própria.


Ferro e câncer


Onívoros têm uma vantagem nutricional por apresentarem níveis mais elevados de ferro? E se eu te falar que essa “vantagem”, na verdade, representa um maior risco de câncer!

Isso mesmo! O ferro tem implicação em diversos tipos de câncer! Esse mineral é útil para inúmeras reações enzimáticas devido a sua capacidade de ganhar e perder elétrons, o que também o atribui potenciais efeitos deletérios, já que o ferro promove a formação de espécies reativas de oxigênio, especialmente devido à reação de Fenton, que por sua vez, danifica estruturas lipídicas e proteicas, causando danos ao DNA e promovendo mutações.

Tanto os efeitos maléficos, como os benefícios, do ferro, tem implicações no câncer. Por exemplo, o ferro pode acelerar a formação de tumores devido à formação de radicais livres, como também nutrir um tumor, favorecendo a sua proliferação.


Uma meta-análise (4), que revisou 33 estudos, observou que elevados níveis de ferro são associados com um maior risco de câncer colorretal. Por outro lado, reduções nos níveis plasmáticos de ferro parecem reduzir o risco para diversos tipos de câncer (pulmão, fígado, cólon, estômago e esôfago).


A ferritina é intimamente ligada a fatores de transcrição NF-kB, que estão envolvidos em processos como inflamação e carcinogênese. A ferritina parece também favorecer a angiogênese (formação de capilares sanguíneos que nutrem tumores).


Algumas células do sistema imune, como os macrófagos, expressam genes envolvidos com o efluxo de ferro. Os macrófagos podem promover o crescimento do tumor, em parte, fornecendo ferro para células tumorais.


A associação do ferro com o desenvolvimento de tumores é tão evidente que alguns autores propõem o uso de quelantes de ferro no tratamento do câncer. Alguns resultados já tem indicado melhoras importantes em pacientes portadores de leucemia e câncer de fígado.


Ferritina e inflamação


Pouca gente sabe, mas a ferritina também é um marcador inflamatório. Elevações na ferritina podem ocorrer independente da ingesta de ferro, visto que alterações nesse marcador são observadas em infecções e estados inflamatórios.


A ferritina atua como imunomodulador impedindo a multiplicação bacteriana através da captação de ferro (note que muitas bactérias dependem do ferro para se multiplicarem), assim como liberando ferro em locais específicos e iniciando uma cascata de respostas inflamatórias (já que o ferro também é tóxico).


Talvez vocês esteja se perguntando, mas o que essa conversa de ferritina e inflamação tem a ver com nutrição vegetariana? Bom, porque essa característica pode mascarar a suficiência de ferro em onívoros!


É muito bem documentado que vegetarianos apresentam reduções relevantes em marcadores inflamatórios, e se esse for o caso da ferritina? Um estudo recente (5) avaliou justamente isso! Eles compararam os níveis de ferritina de vegetarianos e onívoros, mas ajustaram os resultados considerando marcadores inflamatórios. Os resultados foram impressionantes, porque quando os dados foram ajustados considerando os marcadores inflamatórios, a diferença da ferritina entre os grupos se tornou insignificante! Ou seja, aparentemente as elevações na ferritina de onívoros sequer são associadas a ingesta de ferro, parecem ser simplesmente o resultado de um estado inflamatório!


Conclusões e dicas


A partir desse texto eu espero ter te ajudado a entender melhor sobre o ferro em dietas vegetarianas. É bem evidente que não há nenhuma razão para se preocupar com deficiência de ferro em uma dieta vegetariana balanceada, inclusive, reduções nos níveis desse mineral parecem explicar alguns dos benefícios para quem adere esse padrão alimentar!


Dicas:

  • Se você é vegetariano, consuma todos os dias alimentos ricos em ferro, como grãos integrais, leguminosas e folhosos verdes escuros;

  • Consuma também alimentos ricos em vitamina C para garantir uma ótima absorção do mineral;

  • Considere ainda a técnica de remolho, e evite o excesso de alimentos ricos em oxalato e taninos;

  • Se você é atleta, tenha uma atenção redobrada com o ferro;

  • Nunca inicie uma suplementação de ferro sem o acompanhamento de um profissional!

  • Lembre-se que o excesso de ferro parece ser deletério, então não se desespere se o seu exame der um tanto baixo, isso, na verdade, pode ser um benefício!



 

Conteúdo por: Cláudio Bender | Nutricionista | CRN: 17268


Referências:


1. Haider, L. M., Schwingshackl, L., Hoffmann, G., & Ekmekcioglu, C. (2018). The effect of vegetarian diets on iron status in adults: A systematic review and meta-analysis. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 58(8), 1359-1374.


2. Neufingerl, N., & Eilander, A. (2022). Nutrient intake and status in adults consuming plant-based diets compared to meat-eaters: A systematic review. Nutrients, 14(1), 29.


3.Damian, M. T., Vulturar, R., Login, C. C., Damian, L., Chis, A., & Bojan, A. (2021). Anemia in sports: a narrative review. Life, 11(9), 987.


4.Torti, S. V., & Torti, F. M. (2013). Iron and cancer: more ore to be mined. Nature Reviews Cancer, 13(5), 342-355.


5.Slywitch, E., Savalli, C., Duarte, A. C. G., & Escrivão, M. A. M. S. (2021). Iron deficiency in vegetarian and omnivorous individuals: Analysis of 1340 individuals. Nutrients, 13(9), 2964.


6.Chifman, J., Laubenbacher, R., & Torti, S. V. (2014). A systems biology approach to iron metabolism. A Systems Biology Approach to Blood, 201-225.


7.Sotelo, A., González-Osnaya, L., Sánchez-Chinchillas, A., & Trejo, A. (2010). Role of oxate, phytate, tannins and cooking on iron bioavailability from foods commonly consumed in Mexico. International journal of food sciences and nutrition, 61(1), 29-39.


8.Delimont, N. M., Haub, M. D., & Lindshield, B. L. (2017). The impact of tannin consumption on iron bioavailability and status: A narrative review. Current developments in nutrition, 1(2), 1-12.


9.Kernan, K. F., & Carcillo, J. A. (2017). Hyperferritinemia and inflammation. International immunology, 29(9), 401-409.


10.Gehrer, C. M., Mitterstiller, A. M., Grubwieser, P., Meyron-Holtz, E. G., Weiss, G., & Nairz, M. (2023). Advances in Ferritin Physiology and Possible Implications in Bacterial Infection. International Journal of Molecular Sciences, 24(5), 4659.


92 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Obrigado pelo envio!

bottom of page